Mãe Só Tem Duas – que chegou à Netflix com um sucesso inesperado, consegue um feito admirável: revirar códigos estruturais conservadores sem perder a essência do gênero. No caso, o gênero são as novelas mexicanas, que no Brasil se tornaram sinônimo de produções exageradas, com interpretações mil tons acima e uma atmosfera de superficialidade. Essas impressões foram construídas a partir da chegada das produções latinas na televisão brasileira, especialmente no SBT, em que México, Colômbia, Venezuela foram todos colocados no mesmo saco. Nosso conhecimento do gênero vem das Marias (do Bairro, Mar, Mercedes) e das usurpadoras da vida.
Mesmo assim, durante muito tempo as novelas mexicanas foram levadas a sério por um público fiel e, conforme a modernidade foi chegando e as séries foram interferindo na fórmula ao redor do mundo, o DNA mexicano se tornou nostálgico e virou elemento afetivo para uma geração inteira. As novelas mexicanas eram admiradas por todos os motivos errados, mas eram adoradas. Diante de tantas opções de streaming e com a Globo lutando para reinventar o folhetim, títulos atuais do mercado mexicano não encontram mais a mesma abertura de antes no nosso território (e talvez também em outros territórios). Para seguir em frente, a arte teledramatúrgica do México precisava evoluir.
Mas, afinal de contas, o que são esses códigos que configuram uma novela mexicana? Se formos excluir o visual exagerado que ficou na nossa cabeça como um resquício da eloquência colorida dos anos 1980 e 1990, uma novela mexicana é um estado de espírito. Tudo é um pouco inocente, as vilãs são infantis, ficam sempre loucas e as histórias sempre – sempre – envolvem amores impossíveis e paternidades perdidas.
Sob essa superfície narrativa recorrente, ficava a representação de uma realidade feminina difícil para suas protagonistas. Nas novelas mexicanas, as mulheres sempre são o foco, mas elas são heroínas frágeis e que dependem da chegada de um homem rico de nome duplo que as salvará da miséria pessoal. Junto com esses “príncipes”, vinha sempre uma rival para ser odiável, porque nas novelas mexicanas as mulheres são inimigas, não importa o que aconteça. O objetivo da história é o casamento do casal e a derrota da vilã. No meio do caminho, o rocambole dramatúrgico é enrolado sem medo e sem autocensura. Vale mais o choque do que a coerência.